Atire a primeira pedra quem nunca afogou as mágoas ou celebrou uma vitória se dando um presente, em geral, algo desnecessário, quase inútil. Comprar é o esporte predileto do planeta. "Quando começou a comprar almas, o diabo inventou a sociedade de consumo", zombava o jornalista Millôr Fernandes a respeito do consumismo exacerbado.
A revista Mad Magazine resumiu em uma frase a atitude dos americanos: "A única razão por que uma família de classe média não possui um elefante em seu quintal é porque esse ‘produto’ nunca foi ofertado nos supermercados numa promoção vantajosa".
Piadas à parte, o maior problema é quando se busca no consumo a solução para angústias. "Comprar não resolve questões da alma", analisa Beth Furtado. "Mas consumir acabou virando sinônimo de prazer", concorda Vera Rita de Mello Ferreira, professora da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), que estuda o comportamento dos indivíduos na sociedade do consumo. "Diante das frustrações, a gente se socorre num vestido novo, apostando que ele possa aliviar nossas dores. Ao não encontrar aí a felicidade, vem um desapontamento maior."
VAI VIRAR
A desaceleração econômica, o arrocho do crédito, o desemprego, o mercado em queda... Uma ala significativa dos analistas concorda que do prejuízo sempre se pode obter lucro. Eles põem fé de que todas essas perspectivas que toldam o horizonte representam oportunidades. E trazem a reboque um consumo mais consciente. Na França, por exemplo, intelectuais como o sociólogo Gilees Lipovetsky estão saudando a recessão no setor de artigos de luxo, que, para eles, perverteu a cultura nacional. Outros estudiosos fazem coro: quando o mercado financeiro está bombando, as pessoas não têm pudor em ostentar e o dinheiro e seus delírios tomam conta da cena. Comprar se apresenta como alicerce para uma falsa segurança. Quando o orçamento aperta, somos obrigados a olhar para outros aspectos da vida.
Não se trata da frugalidade absoluta. O consumo muda, mas os desejos continuam se multiplicando – ninguém quer adquirir um produto que dure para sempre. A variedade continua atraente. Somos seres mutantes, especialmente as mulheres, grupo que define a compra – o feminino é efervescente, inquieto. Não há nada de errado com isso. A coisa só fica ruim quando serve de desculpa para dilapidar, desperdiçar, desvalorizar.
Para a psicanalista Vera Rita, autora do livro Psicologia Econômica – Estudo do Comportamento Econômico e da Tomada de Decisão (editora Campus/ Elsevier), a crise pode conter uma força agregadora. "Agora temos a chance de rever conceitos com que convivemos há décadas como se fossem naturais e inevitáveis. A estabilidade causa acomodação e engessa o pensamento. Perdemos a capacidade de olhar por outras perspectivas", diz ela.
Nem os otimistas se atrevem, no entanto, a apostar que a vida vai ficar fácil. O que faz brilhar os olhos da psicanalista é a incrível criatividade que seremos obrigados a descobrir: "A mente só se desenvolve sob pressão", insiste Vera, e comemora antecipadamente o fim da inércia.
Outras fontes de satisfação já despontam no horizonte: o ser humano vai se alimentar, por exemplo, da energia do encontro. Dedicar mais tempo aos amigos e à família torna-se uma nova forma de consumo. Ficar em casa, em vez de sair em busca do restaurante da moda, é uma das opções de uma vida pontuada por prazeres que não implicam excessos. Surge um modelo de compra diferente: ao mesmo tempo em que se busca o preço justo, investe-se em produtos que ofereçam gratificação emocional. Vamos descobrir que viver com menos pode render uma vida mais plena.
* trecho da matéria "Menos", da revista Bons Fluidos, março 2009.
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