terça-feira, 26 de maio de 2009

Omnia Omnibus Ubique

Compartilho com vocês este texto sobre a Harrods, escrito pelo jornalista Paulo Nogueira, brasileiro que recém se estabeleceu em Londres, para o blog Diário do Centro do Mundo, da Revista Época.

São poucas linhas. Mas que oferecem uma visão bem ampla do que representa a Harrods para os ingleses e de como um estabelecimento comercial pode se tornar agente de influência na cultura de um povo, nos seus hábitos e comportamento. Praticamente, uma aula de história.

A Harrods e os casacos de pele

E então vou à Harrods. Não dá para ir a Londres sem ir à Harrods, em Knightsbridge. Quer dizer. Dá. Mas é um erro. Penso em fazer algumas compras. Verifico por curiosidade o preço do primeiro produto que vejo, um casaco de pele: 20 mil libras. Mentira: 19 900. Me faz perder o apetite por compras. A carteira permanece no bolso. Gosto do lema da Harrods. É uma frase latina. Omnia Omnibus Ubique. Tudo para todos, em todo lugar. Mais ou menos isso. Não entendo direito o sentido, mas é uma expressão retumbante. Tudo para todos? O casaco também? Poucas empresas sobrevivem aos primeiros anos. A Harrods tem 175. A primeira escada rolante do mundo apareceu na Harrods em 1898. Uma bebida, no final da escada, acalmava clientes nervosos com a subida.

Muitas histórias.
Mas a mais divertida que conheço tem como protagonista Pattie Boyd, a primeira mulher de George Harrison. George mantinha uma conta aberta para Pattie na Harrods. Pattie se apaixonou por Eric Clapton e deixou George por ele. George e Eric eram grandes amigos. Já casada com Eric, que escreveu “Layla” em sua homenagem, num final de ano Pattie foi à Harrods para fazer as compras de natal. Colocou tudo na conta bancada por George. Só então descobriu que George a encerrara. Ela narra o episódio em sua autobiografia. Parecia realmente surpresa com a perda da conta aberta depois de abandonar o homem que a mantinha. Sábado é dia de protesto em frente da Harrods. Defensores dos direitos dos animais empunham cartazes e distribuem panfletos. Eles querem que os consumidores boicotem a Harrods enquanto continuarem a ser vendidos ali casacos de pele de animais. Me ocorre a palavra alemã “zeitgeist”, o espírito do tempo. Cada vez mais gente tende a militar pelos animais. Podemos matá-los para fazer churrasco e casacos de pele? Não, não sou militante. Na própria Harrods, no celebrado Food Hall (foto abaixo), pedi um frango assado parecido com aqueles que a gente vê na frente de muitas padarias no Brasil. Provavelmente o melhor que já comi, aliás. Molho soberbo.

Mas. Mas confesso que às vezes me vejo com uma ponta não vou dizer de arrependimento, mas de dúvida. Deveria rever alguns conceitos? Vou enfrentar algum livro de Peter Singer, o aclamado filósofo que defende os animais? Talvez mais para a frente. Não agora. Minhas prioridades são outras. Na saída da Harrods apanho um panfleto de uma militante. Fotos de animais com um sofrimento épico. A moça que me passou o panfleto tem um ar tristonho - um notável contraste com a alegria barulhenta e consumidora das pessoas que abarrotavam a Harrods naquela manhã de sábado.

  • Também tenho uma história com a Harrods. Quer ouvir?
  • Em 1993 saí em viagem pela Europa, no estilo mochila nas costas, muito jogo de cintura e zero expectativas, a não ser, claro, Londres.
  • Na época, os guardas da imigração britânica tinham fama de durões e eram ainda piores do que os espanhóis de hoje - não havia nem sala de espera, conversa, nada!
  • Resolvi me preparar para esta situação nos moldes de uma entrevista de emprego. Ainda no Brasil mandei confeccionar um vestido cor de lavanda [cor nada comum na moda daquele tempo e bem no estilo ashcombe-garden-party (parecido com este usado por Madonna, em editorial para Vogue US, de agosto de 2005]

  • o look ainda contemplava meias de seda e sapatos de fina camurça grafite, tudo especialmente planejado para a grand entrée (e dentro da mochila!).
  • ainda acrescentei um chapéu de lã inglesa, comprado alguns dias antes em Amsterdã.
  • após o agente alfandegário inspecionar meu passaporte e documentos, começaram as perguntas de praxe: minhas intenções no país, como era minha família e sobre meu trabalho...
  • Lembro-me dele perguntando qual era minha função na loja e que tipo de produtos vendíamos.
  • com tranquilidade estudada e com sotaque extraído das reuniões do clube de criquet da realeza, falei que a loja estava situada em um edifício de três andares. Que vendíamos roupas finas para cavalheiros, senhoras e crianças. Como também sapatos, bolsas e todo tipo de acessórios em couro. Também lingerie e meias. Além de sermos especializados em todo tipo de material esportivo.
  • fui totalmente sincera, mas jamais poderia prever a relação que o oficial da imigração fez com meu relato: "Ah, entendo. Assim como a Harrods..."
  • Engoli em seco e concordei: Exactly, like Harrods!
  • O oficial sorriu e carimbou meu passaporte com o visto de entrada.  
  • Depois, enviei um cartão postal para meu pai com uma foto igual a esta aí embaixo, do Egypt Hall, contando que achei as lojas em Londres muito simplórinhas. Um nada, em comparação com as de nossa família...
  • E ainda tem mais: após 10 dias em Londres, fui à uma garden party, indeed. O jardim recendia a jasmim. Inesquecível! Fui sem o vestido caretinha, é claro. E sorria à toa, toda uma explosão de juventude. Isso, somado ao fato de ser a única brasileira da reunião, renderam-me vários flertes, vindos especialmente de um senhor barbudo e circunspecto. Eu o esnobei. Era o Eric Clapton!
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* texto escrito por Paulo Nogueira, para Revista Época Online.

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