São poucas linhas. Mas que oferecem uma visão bem ampla do que representa a Harrods para os ingleses e de como um estabelecimento comercial pode se tornar agente de influência na cultura de um povo, nos seus hábitos e comportamento. Praticamente, uma aula de história.
A Harrods e os casacos de pele
E então vou à Harrods. Não dá para ir a Londres sem ir à Harrods, em Knightsbridge. Quer dizer. Dá. Mas é um erro. Penso em fazer algumas compras. Verifico por curiosidade o preço do primeiro produto que vejo, um casaco de pele: 20 mil libras. Mentira: 19 900. Me faz perder o apetite por compras. A carteira permanece no bolso. Gosto do lema da Harrods. É uma frase latina. Omnia Omnibus Ubique. Tudo para todos, em todo lugar. Mais ou menos isso. Não entendo direito o sentido, mas é uma expressão retumbante. Tudo para todos? O casaco também? Poucas empresas sobrevivem aos primeiros anos. A Harrods tem 175. A primeira escada rolante do mundo apareceu na Harrods em 1898. Uma bebida, no final da escada, acalmava clientes nervosos com a subida.
Muitas histórias.
Mas a mais divertida que conheço tem como protagonista Pattie Boyd, a primeira mulher de George Harrison. George mantinha uma conta aberta para Pattie na Harrods. Pattie se apaixonou por Eric Clapton e deixou George por ele. George e Eric eram grandes amigos. Já casada com Eric, que escreveu “Layla” em sua homenagem, num final de ano Pattie foi à Harrods para fazer as compras de natal. Colocou tudo na conta bancada por George. Só então descobriu que George a encerrara. Ela narra o episódio em sua autobiografia. Parecia realmente surpresa com a perda da conta aberta depois de abandonar o homem que a mantinha. Sábado é dia de protesto em frente da Harrods. Defensores dos direitos dos animais empunham cartazes e distribuem panfletos. Eles querem que os consumidores boicotem a Harrods enquanto continuarem a ser vendidos ali casacos de pele de animais. Me ocorre a palavra alemã “zeitgeist”, o espírito do tempo. Cada vez mais gente tende a militar pelos animais. Podemos matá-los para fazer churrasco e casacos de pele? Não, não sou militante. Na própria Harrods, no celebrado Food Hall (foto abaixo), pedi um frango assado parecido com aqueles que a gente vê na frente de muitas padarias no Brasil. Provavelmente o melhor que já comi, aliás. Molho soberbo.

- Também tenho uma história com a Harrods. Quer ouvir?
- Em 1993 saí em viagem pela Europa, no estilo mochila nas costas, muito jogo de cintura e zero expectativas, a não ser, claro, Londres.
- Na época, os guardas da imigração britânica tinham fama de durões e eram ainda piores do que os espanhóis de hoje - não havia nem sala de espera, conversa, nada!
- Resolvi me preparar para esta situação nos moldes de uma entrevista de emprego. Ainda no Brasil mandei confeccionar um vestido cor de lavanda [cor nada comum na moda daquele tempo e bem no estilo ashcombe-garden-party (parecido com este usado por Madonna, em editorial para Vogue US, de agosto de 2005]

- o look ainda contemplava meias de seda e sapatos de fina camurça grafite, tudo especialmente planejado para a grand entrée (e dentro da mochila!).
- ainda acrescentei um chapéu de lã inglesa, comprado alguns dias antes em Amsterdã.
- após o agente alfandegário inspecionar meu passaporte e documentos, começaram as perguntas de praxe: minhas intenções no país, como era minha família e sobre meu trabalho...
- Lembro-me dele perguntando qual era minha função na loja e que tipo de produtos vendíamos.
- com tranquilidade estudada e com sotaque extraído das reuniões do clube de criquet da realeza, falei que a loja estava situada em um edifício de três andares. Que vendíamos roupas finas para cavalheiros, senhoras e crianças. Como também sapatos, bolsas e todo tipo de acessórios em couro. Também lingerie e meias. Além de sermos especializados em todo tipo de material esportivo.
- fui totalmente sincera, mas jamais poderia prever a relação que o oficial da imigração fez com meu relato: "Ah, entendo. Assim como a Harrods..."
- Engoli em seco e concordei: Exactly, like Harrods!
- O oficial sorriu e carimbou meu passaporte com o visto de entrada.
- Depois, enviei um cartão postal para meu pai com uma foto igual a esta aí embaixo, do Egypt Hall, contando que achei as lojas em Londres muito simplórinhas. Um nada, em comparação com as de nossa família...

- E ainda tem mais: após 10 dias em Londres, fui à uma garden party, indeed. O jardim recendia a jasmim. Inesquecível! Fui sem o vestido caretinha, é claro. E sorria à toa, toda uma explosão de juventude. Isso, somado ao fato de ser a única brasileira da reunião, renderam-me vários flertes, vindos especialmente de um senhor barbudo e circunspecto. Eu o esnobei. Era o Eric Clapton!
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* texto escrito por Paulo Nogueira, para Revista Época Online.
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